Os fatores que devem levar o dólar para acima de R$ 6 – e por que os analistas não esperam uma queda rápida
SÃO PAULO – Em meio a mais uma forte alta do dólar ante o real, a moeda americana caminha para superar a marca de R$ 6 apenas dois meses após atingir pela primeira vez na história os R$ 5, em um cenário não só de crise por conta do coronavírus, mas também de grande tensão política.
Nesta quarta-feira (13), o dólar comercial fechou com valorização de 0,61%, cotado a R$ 5,9007 na compra e R$ 5,9012 na venda, renovando mais uma vez sua máxima histórica.
E conforme o cenário ruim se solidifica no país, analistas passaram a revisar sucessivamente suas projeções, apontando que realmente a moeda americana deve superar os R$ 6 em breve, apesar de não haver a expectativa de que ela termine o ano neste patamar.
Mais recentemente, o Deutsche Bank se mostrou bastante pessimista, apontando que o dólar possa chegar a R$ 6,50 conforme o Brasil enfrente a pior recessão da sua história, uma vez que a pandemia do coronavírus expõe as reformas ainda não finalizadas no Brasil, além do cenário político.
Mas a mais recente revisão de cenário veio do Credit Suisse, com os analistas mantendo uma postura mais pessimista e definindo um preço para o curto prazo em R$ 6,20, destacando exatamente a situação dos riscos políticos e juros baixos, que deixam o chamado carry trade (operação em que o investidor toma dinheiro emprestado a juros baixos e aplica em países de juros mais altos para ganhar na diferença) pouco atrativo.
Segundo os analistas, desde a última atualização de cenário, no fim de abril, o que tem dominado o câmbio é a turbulência política, com “preocupações relacionadas aos problemas legais do presidente Jair Bolsonaro e a posição do Ministro Guedes na administração [da economia]”.
“O risco da pressão judicial no presidente pode abrir o caminho para gastos fiscais mais generosos (para assegurar apoio no Congresso) o que seria visto negativamente por Guedes, e consequentemente pelo mercado”, explica o Credit.
Além disso, os analistas apontam ainda a política monetária agressiva do Banco Central, que cortou a Selic para 3% e já indicou que fará mais uma redução de até 0,75 ponto percentual. “A combinação de risco politico e políticas fiscais e monetárias agressivas tem levantado preocupações com relação a sustentabilidade dessas medidas no Brasil”, afirmam.
O Credit diz ainda que tem duvidas sobre o futuro do câmbio e que o carry trade deve seguir pouco atrativo quando comparado com outras moedas emergentes.
Por outro lado, os analistas do banco apontam que “podemos ter surpresas positivas de eventos externos como a melhoria mais rápida da situação da Covid-19, que potencialmente criariam condições melhores para a moeda, mas dificilmente a situação atual política irá apoiar o câmbio e assim mantemos nosso viés bastante cauteloso”.
Enquanto isso, José Faria Júnior, diretor da Wagner Investimentos, ressalta o problema fiscal do país, algo que ele já alertava desde o início da quarentena em São Paulo, há dois meses. Segundo ele, o pacote inicial de R$ 80 bilhões do governo era fraco e era esperado um aumento do montante das medidas para cerca de 10% do PIB, enquanto a situação das contas públicas deve levar a dívida bruta para perto de 100% do PIB.
“Esse desastre das contas públicas somado ao aumento dos casos da Covid-19 tem pesado demais na moeda, ainda mais com taxa Selic podendo cair para 2,25% ou talvez menos”, afirma o analista, que se diz cético em recomendar a venda da moeda agora, com seu modelo de projeções apontando a possibilidade da moeda chegar a R$ 6,10.
Com a acentuada deterioração econômica e política no país e uma “extrema” flexibilização monetária, o BofA também revisou sua projeção de câmbio ao fim do ano de R$ 5,20 para R$ 5,85. Diversos fatores podem “facilmente” empurrar o dólar para acima de R$ 6, segundo o relatório, como a aceleração dos casos de covid-19 e os embates políticos internos.
“Esperamos que o ruído político permaneça alto enquanto o Procurador Geral da República (PGR) ouve testemunhos e coleta evidências para decidir se apresentará uma acusação formal contra o presidente [Jair] Bolsonaro no Congresso. O barulho político pode afetar a agenda de reformas e o processo de normalização fiscal no próximo ano. Isso manterá o real sob pressão no curto prazo”, afirmam.
No início da semana, o Banco Fibra já havia revisado sua projeção de câmbio, afirmando que a moeda poderia superar os R$ 6 em breve. A instituição revisou a estimativa para dólar médio em 2020 para R$ 5,46, ante estimativa anterior de R$ 5,39. Já para o final do ano, o Fibra estima agora a taxa de câmbio em R$ 5,75, ante estimativa anterior de R$ 5,50.
“Além dos fatores globais relacionados à pandemia da Covid-19 – que aumentam as incertezas globais valorizando a cotação do dólar e de algumas outras moedas consideradas ‘safe haven’ — fatores exclusivamente domésticos justificam nosso cenário de real estruturalmente fraco nos próximos anos, tais como o juro real baixo, baixa taxa de crescimento do PIB potencial e do PIB efetivo, fluxo cambial bastante negativo, piora nos termos de troca, além de ruídos provocados pelo próprio governo”, disse o Fibra.
“Reconhecemos viés para depreciação adicional por conta de fatores domésticos (ruídos políticos). Para os próximos meses especificamente, entendemos que o real pode inclusive ser negociado acima de R$ 6, já que as crises de saúde pública e econômica podem ser amplificadas por ruídos políticos”, afirmou o banco.
O Itaú foi outro banco que também elevou sua projeção para o câmbio, que saltou de R$ 4,60 para R$ 5,75 este ano. Para 2021, a nova projeção é de R$ 4,50, contra R$ 4,15 anteriormente.
Apesar das projeções negativas, a média dos economistas ainda não espera o dólar terminando o ano a R$ 6. No mais recente relatório Focus, que compila a projeção de diversos economistas, o cenário projetado para 2020 é de câmbio mais baixo, com o dólar ficando em R$ 5,00. Já para 2021, a previsão passou para R$ 4,83, contra R$ 4,75 esperados na semana anterior. Assim, mesmo se o dólar cair em relação aos patamares atuais, a expectativa é de que não haja uma baixa tão rápida pela combinação de um cenário fiscal complicado, tensão política e taxa de juros baixa.
FONTE: INFOMONEY