Polícia investiga esquema em que advogados usam atestados falsos para liberarem presos em razão da pandemia
A Polícia Civil montou uma força-tarefa para investigar a suspeita de que advogados estão usando atestados médicos falsificados em pedidos de soltura de presos feitos com base no risco de infecção pelo coronavírus.
Três delegados do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) estão analisando documentos e até áudios que indicariam haver um esquema para forjar os documentos médicos e enganar autoridades. O Ministério Público (MP) também está alerta e emitiu recomendação aos promotores para que intensifiquem os cuidados ao avaliar pedidos em que esteja alegado algum tipo de doença como argumento para a liberdade ou prisão domiciliar.
Entre os dias 18 e 27 de março, o Tribunal de Justiça (TJ) libertou 1.878 detentos com base na Recomendação nº 62 do Conselho Nacional de Justiça, que recomenda a “adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo”.
As suspeitas sobre o possível esquema começaram a surgir entre a terça-feira (31) e a quarta-feira (1º), quando circularam em grupos de WhatsApp o que seriam mensagens de presos e advogados tratando sobre pedidos de soltura. Em uma das conversas que está em análise por autoridades, um homem, que seria advogado, comemora a soltura de um cliente com base em um “laudinho frio”:
— O plantão acabou de mandar uma decisão aí, de um cliente lá de Camaquã, imagina, cidade do Interior, esse louco aí já responde um tráfico e lá em Camaquã tá respondendo um duplo homicídio qualificado, e apresentamo um laudinho frio, frio, friozinho, lá do hospital (diz o nome, que GaúchaZH preserva por estar sob investigação), mas bem feitinho, de diabetes, que ele tinha diabetes, e cantou (deu certo).
Outra mensagem seria de um detento tentando contratar um advogado:
“Dá uma olhadinha aí nesses print, doutor, e vê o que o senhor acha. Na real, tá cantando (dando certo) assim, entendeu? Tem um médico que vai carimbar ali, que se a assistente social ou questão de de Justiça ligar para querer saber se é quente mesmo, vai botar a cara, vai botar o pé e vai dizer “é verdade, eu assinei, eu carimbei”. Tá cantando desse jeito, né, doutor. Eu tô procurando advogado que eu pague para fazer isso daí aí, para fazer o pedido e bote o laudo e me coloque na rua”.
Em outra conversa, um homem que seria advogado diz estar cobrando R$ 2 mil por cada pedido de soltura:
“Claro, claro. Eu sei, eu sei sim. Tudo bem, Pablo? Eu tô cobrando para os meus clientes o valor de R$ 2 mil para fazer os pedidos de liberdade. Eu peguei sete processos e consegui tirar seis clientes. Dois deles tinham condenação de homicídio e outro de estupro, e os outros são tráfico e receptação. Todos eu consegui colocar em casa por causa do coronavírus. Eu tô passando a minha conta para os clientes, os clientes estão fazendo transferência, eu já entro com o pedido. Ontem eu soltei dois, ao longo da semana eu soltei os outros. Vamos ver se essa semana, eles estão dizendo que vão liberar até quarta ou quinta-feira. Nós vamos ter que entrar o mais rápido possível. Eu estou avisando para todo mundo que eu conheço, se quiser que eu entre, né, que é a única chance que a gente tem é essa”.
Pela fala que seria de um advogado, a possibilidade de soltura pelo risco de contaminação do coronavírus está sendo tratada como “única chance” de libertação para muitos detentos condenados ou apenas recolhidos com base em prisões preventivas.
No Deic, o trabalho está sob organização do delegado Marcus Vinicíus da Silva Viafore, diretor da Divisão Estadual de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro:
— Recebemos as informações e estamos analisando.
No Ministério Público, é o coordenador do Núcleo de Inteligência, promotor Marcelo Tubino, que está cuidando do assunto:
— O MP passou a receber várias informações da possibilidade de estarem sendo utilizados atestados médicos falsos. Analisando essas informações, foi noticiado ao promotores essa possibilidade na tentativa de que passassem a examinar esse pedidos com um pouco mais de cautela, tendo em vista que essas decisões (de soltura), nesse clima de pandemia, exigem urgência. Depois disso, foram designados promotores para receberem essas documentações e informações e a partir disso, passaram a trabalhar. É uma situação que preocupou o Ministério Público, porque como se vive nesse regime de urgência de tramitação de pedidos, por vezes, pode acontecer da necessidade de ser dispensado algum documento oficial, procedimento mais cautelar, e nesse contexto o operador do direito está sendo iludido e levado a erro.
Será investigado se documentos usados foram falsificados usando o nome de médicos e também se há médicos envolvidos no esquema, ou seja, que tenham recebido valores para fazer falsa declaração de doença.
O que dizem OAB e TJ:
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil/RS, Ricardo Breier, disse que está ciente e tomando todas as providências para elucidar o caso. Segundo Breier, uma vez confirmado os fatos, os envolvidos serão responsabilizados na forma da lei e pelo Estatuto de Ética e Disciplina da Ordem, e podem até ser excluídos.
O Tribunal de Justiça, por meio da assessoria de imprensa, informou que a Corregedoria da Justiça teve conhecimento dos fatos e encaminhou para apuração da Polícia Civil.
A Corregedoria ainda orientou os juízes a conferirem junto às casas prisionais informações sobre a saúde dos apenados e de presos provisórios.
Fonte: Gaúcha ZH