Venda da Refap pode incluir indenização ao Rio Grande do Sul
15.10.2020 07h53 / Postado por: Luzia Camargo
Entre os tantos fatores e implicações que giram em volta da intenção da Petrobras de alienar a Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), uma possibilidade levantada é de que o Estado precisaria ser ressarcido no caso de uma eventual venda do complexo, pois o governo gaúcho doou terrenos para a estatal implementar o empreendimento, que agora seria repassado a terceiros. A bandeira é defendida pelo presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, que contou com o auxílio do petroleiro e ex-presidente do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande Sul (Sindipetro-RS), Édson Flores, para juntar documentos históricos e embasar a tese.
Krischke recorda que, quando a refinaria de Canoas começou a ser construída, no início da década de 1960, contou com benefícios do então governador Leonel Brizola, que declarou de utilidade pública e de interesse social desapropriações de áreas para erguer a planta, concluída em setembro de 1968. O dirigente reforça que, depois de pagar pelas terras, o governo do Estado efetuou o repasse para a Petrobras. Entre outras medidas, conforme certidão de 31 de outubro de 1963, foi feita a doação de cerca de 217 hectares da fazenda Brigadeira. Posteriormente, outros decretos foram editados para adequar o espaço final em que a refinaria seria erguida, já durante a gestão de Ildo Meneghetti.
Somente as doações do terreno da fazenda Brigadeira, mais outra área de 251 mil metros quadrados (25,1 hectares) envolveram, na época, o valor de Cr$ 242,5 milhões. Apenas a título de comparação, o salário-mínimo nominal naquele período era de Cr$ 21 mil, então essa movimentação corresponderia a 11.547 salários-mínimos, que somariam hoje um pouco mais de R$ 12 milhões. Krischke salienta que as áreas hoje, com todo desenvolvimento ao seu redor, valem muito mais do que no passado. Em caso de uma indenização, o dirigente enfatiza que precisaria ser feita uma reavaliação. Atualmente, conforme informações do site da Petrobras, a Refap ocupa uma área total de 580 hectares.
O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos acrescenta que o Estado, além de ceder terrenos, construiu uma estrada ligando a BR-116 à refinaria, implementou uma estação de tratamento de água, entre outras benfeitorias. Ele cita ainda que o governo gaúcho também contribuiu para a implantação da estrutura de recebimento de petróleo da Refap, em Tramandaí. “O Estado do Rio Grande do Sul, sempre com esse fundamento do interesse público e social, fez tudo isso, investiu tudo isso”, reitera.
O dirigente sustenta que, com a possível privatização, essa finalidade social desapareceria. Nesse caso, para Krischke, iria se configurar um enriquecimento sem causa, o que geraria o direito a uma restituição. “A Petrobras vai vender aquilo que o Estado doou?”, questiona. Um dos fatores que fez com que o dirigente abraçasse a causa foi o receio dos impactos que a privatização pode ter quanto a postos de trabalho e perda de arrecadação.
Questionamento sobre áreas doadas foi encaminhado junto ao governo do Estado
Em janeiro deste ano, o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, levou os documentos sobre as doações de áreas para a Refap ao gabinete do governador Eduardo Leite. “Porque isso é do interesse do Estado, que tem que se mover e cuidar dos seus bens e de seu patrimônio”, defende. O dirigente afirma que não houve retorno da questão, até agora, por parte do governo.
Procurada pelo Jornal do Comércio, a assessoria de imprensa do Executivo gaúcho informou que o assunto foi encaminhado para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur), que, por sua vez, comentou que a pasta recebeu a demanda agora em outubro e pretende agendar uma reunião entre o secretário Rodrigo Lorenzoni e Krischke para tratar do tema.
O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos sustenta ainda que o Ministério Público deveria se envolver com o tópico. Também procurados pela reportagem, o Ministério Público Estadual afirmou que, em princípio, a atribuição seria do Ministério Público Federal. A assessoria de comunicação da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul informa que a demanda chegou a uma de suas divisões, mas acabou sendo encaminhada para o MPF do Distrito Federal, por questões de jurisdição. Depois dessa movimentação, o caso foi anexado a uma investigação que já estava em andamento e que foi convertida em Inquérito Civil. Já a Petrobras disse que não iria se pronunciar sobre a tese.
Apesar de não haver dúvidas sobre as doações feitas pelo governo do Estado para a implantação da Refap, o ingresso de uma ação indenizatória não significaria a certeza de uma causa bem-sucedida.
O advogado especialista no setor de energia da MBZ Advogados, Frederico Boschin, não crê que haveria a obrigação de um ressarcimento nesse caso da refinaria gaúcha. Para ele, o encargo somente caberia caso a Petrobras não cumprisse com os compromissos do que foi acordado com o Estado.
Outro fator destacado por Boschin é que os valores envolvidos não seriam tão relevantes considerando os montantes que serão abrangidos em uma eventual venda da refinaria. Ou seja, na prática, dificilmente inviabilizaria o prosseguimento da privatização.
O complexo gaúcho voltou a chamar a atenção na mídia, pois recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o pedido liminar realizado pelo Congresso para suspender o processo de sua venda, assim como de outras sete refinarias da Petrobras.
O petroleiro e ex-presidente do Sindipetro-RS, Édson Flores, considera um verdadeiro desmanche o que está sendo realizado na companhia. Ele lembra que já não existe o monopólio do refino de petróleo no Brasil, desde o governo Fernando Henrique Cardoso, e por isso não é necessária a venda de ativos da estatal para que uma empresa privada invista no setor.
Fonte: Jornal do Comércio
Foto: ADRIANO LEAL/DIVULGAÇÃO/JC
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