Promessa é para ser cumprida. Pelo menos é o que se espera, principalmente quando o prometido representa compromisso com toda a sociedade. Mas nem sempre isso acontece, o que muitas vezes resulta em desconfiança e desapontamento com a política. A ausência de um instrumento para vincular o compromisso de campanha a uma responsabilidade legal do governante passou a incorporar os debates na Assembleia desde a semana passada, através da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 281 2019).
Apresentada pelo deputado Sebastião Melo (MDB), a matéria foi assinada por outros 32 deputados, representantes de 12 bancadas, e chegará à Comissão de Constituição e Justiça.
“Estamos vivendo um momento de muita reflexão e descontentamento dos cidadãos com o modelo de democracia representativa que temos. Em meio a este cenário de desalento, o populismo cresce e difunde promessas que são irreais para encantar os eleitores. A sociedade precisa de meios mais eficientes de controle sobre quem a representa”, sustenta Melo.
Conforme a proposta, o descumprimento do compromisso registrado durante a campanha poderá configurar crime de responsabilidade e, ao ferir dispositivo constitucional, conduzir o governante a um processo de afastamento por impeachment. A regra começaria a valer para o próximo mandato no Piratini.
Um dos principais dispositivos, aponta Melo, é a vinculação do programa de governo aos atos orçamentários da gestão, que definem a destinação dos recursos públicos. “Tem que colocar na lei do orçamento e no plano plurianual aquilo que faça sentido com o que foi dito em campanha. Hoje, os programas de governo não passam de cartas de intenção. São documentos muito genéricos, que permitem a mudança de rumos sem que o governante precise justificar-se aos eleitores”, conclui Sebastião Melo.
Acadêmicos apontam incertezas
A ideia de constitucionalizar o programa de governo, estabelecendo que o descumprimento poderá ser tipificado como crime de responsabilidade gera incertezas entre acadêmicos. Para o professor de Administração Pública da UFRGS, Aragon Dasso, um dos riscos é que ocorra excessiva judicialização sobre o exercício dos mandatos.
“Além disso, pode limitar demais a capacidade de governar. Conseguir cumprir ou não as promessas da campanha não depende exclusivamente da vontade do agente político, pois diversas circunstâncias externas influenciam nas decisões e nos seus resultados”, aponta.
Segundo Dasso, uma alternativa seria o dispositivo de “recall”, utilizado em diversos países para reavaliar a competência do mandatário. “Isso deixou de ser discutido no Brasil porque, em geral, agentes políticos odeiam recall. A revogação do mandato pela vontade popular é um instrumento democrático. Não existe democracia sem participação nas decisões”, defende Aragon Dasso.
Para o professor aposentado da UFRGS e cientista político Benedito Tadeu César, outra questão complicada sobre a constitucionalização do programa de governo é a forma como esta obrigação será avaliada. “Se for um crime de responsabilidade, haverá a abertura de um processo de impeachment. Para que o processo ocorra é preciso ter apoio parlamentar majoritário. Sendo assim, no fundo, a decisão seria essencialmente política, ao invés do resultado técnico com critérios jurídicos que se espera alcançar”, argumenta Tadeu César.
Plano de governo é único ato formal
Pela legislação eleitoral vigente, o único compromisso formal que existe com a promessa de campanha é o de anexar o plano de governo entre os documentos do registro da candidatura que é realizado pela Justiça Eleitoral. “Mas isso não define uma obrigação jurídica de cumprir o que se prometeu na campanha”, alerta o coordenador de registros, informações processuais e partidárias do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS), Carlos Vinícios de Oliveira Cavalcante.
A entrega do programa é um requisito técnico cujo descumprimento pode acarretar o indeferimento do registro. Todos os candidatos têm obrigação de entregar o documento com a descrição das propostas para governar. No entanto, a formatação deste texto não segue qualquer tipo de norma, sendo de livre decisão dos concorrentes no pleito o que será escrito nele.
O documento é público e fica disponível para leitura de qualquer cidadão nos portais de acesso à informação constituídos pela Justiça Eleitoral. “Na análise dos requisitos, nós não avaliamos o conteúdo. Apenas se o documento cumpre o objetivo determinado pela legislação. O que posso dizer é que vemos documentos bastante heterogêneos na forma e bem elaborados do ponto de vista das informações”, descreve Cavalcante.
O coordenador de registros do TRE-RS destaca, ainda, que o plano de governo pode ser alterado pelo candidato, no decorrer da campanha, tantas vezes quanto o concorrente considerar necessário, sem a necessidade de uma justificativa formal.
Fonte e foto: Correio do Povo