MEC atrasa repasse de verbas para educação
Por todo o Brasil, neste ano, Estados e municípios ainda não viram cair na conta verbas que, a esta altura do ano, já deveriam ter sido repassadas pelo governo federal para a educação. Ao menos 14 programas focados na Educação Básica — anunciada como prioridade da gestão do presidente Jair Bolsonaro — e no Ensino Superior não receberam, até o dia 13 de maio, sequer um centavo do Ministério da Educação (MEC), comandado pelo ministro Abraham Weintraub.
Não são valores que o governo federal é obrigado por lei a aplicar, mas que fazem a diferença em sala de aula, uma vez que poderiam ser investidos em compra de livros didáticos, de ônibus escolares ou na construção de creches e reforma de escolas, por exemplo.
Segundo especialistas, o normal é que a União repasse verbas ao longo do ano em ritmo constante, e não de forma acumulada na reta final. Portanto, em vários programas, as escolas já deveriam ter recebido, até 13 de maio, proporcionalmente, cerca de 36% do valor autorizado para repasse no ano. Em nota enviada à reportagem, o MEC diz que “o contingenciamento orçamentário no âmbito do Poder Executivo Federal ocorre ao longo de todos os exercícios fiscais” e que, portanto, “todos os poderes e órgãos, inclusive aqueles que dispõem de autonomia financeira e orçamentária, estão sujeitos à limitação de empenho e movimentação financeira, caso a realização da receita não comporte o cumprimento das metas estabelecidas”.
A pasta informa ainda que “caso o cenário econômico melhore no segundo semestre de 2019, os valores serão reavaliados pelo Ministério da Economia, podendo resultar em aumento nos limites de movimentação e empenho, bem como na ampliação na autorização de gastos”.
GaúchaZH analisou os valores que o MEC investiu em políticas públicas neste primeiro semestre de 2019, com base nos dados mais recentes do site da Câmara dos Deputados, que tem informações até 13 de maio. No intervalo, a pasta sofreu congelamento de R$ 5,8 bilhões — dos quais R$ 1,7 bilhão focou o Ensino Superior federal, sobretudo universidades.
— A ausência de pessoas especialistas na área de educação dificulta a execução orçamentária e gera um MEC esvaziado. Se o orçamento foi aprovado pela Câmara, mas o governo não está executando as políticas públicas, há um problema. Se há contingenciamento, não há o que fazer além de reclamar e questionar via Tribunal de Contas — destaca Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que apresentou relatório sobre o atraso nos repasses em audiência pública na Câmara dos Deputados na semana passada.
A Câmara fiscaliza a execução orçamentária do Executivo — isto é, se o governo federal está aplicando os recursos disponibilizados a partir de 1º de janeiro. O orçamento é aprovado no ano anterior pelos deputados federais e sancionado pelo presidente em exercício — no caso atual, o “sim” veio do ex-presidente Michel Temer.
— Uma olhada geral mostra que os programas com execução em ritmo normal são de transferência obrigatória por lei ou são programas importantes, que governadores e prefeitos cobram o envio de recursos. De resto, o MEC está paralisado. Só não existe uma crise imensa no Brasil porque, dos 6% do PIB (Produto Interno Bruto) investidos na educação, 4,8% vêm de Estados e municípios, enquanto 1,2% da União — avalia Nelson Cardoso Amaral, professor de financiamento escolar na Universidade Federal de Goiás (UFG).
Programas que estão sem repasse ou abaixo do previsto
Entre os programas com atraso no repasse, estão o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que só recebeu 0,05% do R$ 1,9 bilhão previsto para 2019. Um programa de expansão de institutos federais de Ensino Superior, com previsão de receber R$ 285,2 milhões, ainda não teve um centavo. O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), importante ao dar liberdade para que diretores paguem gastos do dia a dia, teve 15,3% da transferência — já passado um terço do ano. A manutenção de contratos com organizações sociais também não recebeu nada dos R$ 343,4 milhões disponíveis para o ano.
— Alguns programas estratégicos estão claramente travados. Nem dá para dizer que o corte é na Educação Superior para privilegiar a Educação Básica, porque o MEC está cortando verba de investimento para expansão da rede federal e, na Educação Básica, para compra de equipamento e reforma. O governo federal entra, proporcionalmente, com pouco dinheiro na Educação Básica, mas é um pouco que faz a diferença para tocar uma reforma ou comprar livros e computadores — diz José Marcelino de Rezende Pinto, professor de política e gestão educacional na Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).
Três programas tiveram maior repasse: são aqueles que pagam questões importantes como merenda e transporte. Mesmo assim, estão com atraso. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que subsidia a refeição de estudantes da escola pública, recebeu 33,6% do valor do ano. Já a verba para pagar combustível e vans terceirizadas, que vem do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE), recebeu do MEC 27,1% do dinheiro total do ano. Para efeito de comparação, 13 de maio, o último dia acompanhado pela Câmara, representa cerca de 36% do ano.
— O contingenciamento está sendo aplicado nas despesas não obrigatórias. O que é obrigatório, como Fundeb, merenda e transporte, está com transferência razoável. Há uma carência de vagas na Educação Infantil e o programa de apoio à implementação de novas creches está zerado. Você olha o programa de manutenção de creches, destinado a mantê-las após a construção, está com 62,7% de repasse, o que pode parecer bom. Mas isso só ocorre porque o valor disponibilizado é pequeno e vem diminuindo desde 2015 — diz Mariza Abreu, consultora na Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e ex-secretária da Educação do Rio Grande do Sul na gestão Yeda Crusius.
Só não existe uma crise imensa no Brasil porque, dos 6% do PIB (Produto Interno Bruto) investidos na educação, 4,8% vêm de Estados e municípios, enquanto 1,2% da União.
Gastos em 2018 foram os menores da última década
A redução dos investimentos em educação não é exclusividade do governo Jair Bolsonaro. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado na última quinta-feira (27), mostra que os gastos não obrigatórios do governo federal com Educação (ou seja, que dependem da vontade do governo) foram, em 2018, os menores da última década.
No ano passado, o MEC investiu R$ 1 bilhão a menos do que havia investido em 2008, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Entre 2008 e 2013, os investimentos não obrigatórios do MEC cresceram. Mas, a partir de 2014, ainda no primeiro mandato de Dilma Rousseff, começaram a cair. É dinheiro que ajuda a pagar conte de luz, reformas e salários de terceirizados de escolas.
Nesse cenário, o professor Ricardo Cardoso Amaral, da UFG, quantificou os programas com redução de repasse, com base em dados da Câmara dos Deputados. O Caminho da Escola, que compra novos ônibus, chegou a receber R$ 1 bilhão em 2012, mas caiu para R$ 313 milhões em 2019. O PDDE, que transfere dinheiro para as escolas, teve um pico de R$ 3,6 bilhões em 2013, mas foi enxugado para R$ 1,8 bilhão em 2019. E o programa Concessão de Bolsas de apoio à Educação Básica, que chegou a receber, em seu ápice, R$ 2,3 bilhão em 2014, receberá R$ 893 milhões em 2019.
— Há uma queda histórica nos investimentos em educação do MEC. Em 2014, ainda há valores altos, mas em 2015, ano do impeachment de Dilma, a coisa começa a degringolar. É uma redução em função da crise política e econômica — diz o pesquisador.
Falta de repasse emperra conclusão de creche na Capital
Desde 2016, moradores da zona Sul da Capital aguardam que pedreiros e betoneiras voltem ao trabalho para concluir a construção da Instituição de Educação Infantil Moradas da Hípica. A creche teria capacidade para atender 166 crianças, mas hoje é um esqueleto de concreto abandonado ao centro de um terreno com capim alto. Perece diante da inércia na tentativa de acordo entre a prefeitura e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia que direciona os recursos do MEC para políticas educacionais, para terminar a obra.
— Eu estava grávida da minha primeira filha quando começou a obra, lá em 2011. Achei que poderia contar com a creche para deixar a Manoela e poder trabalhar, mas isso nunca aconteceu — relembra a analista de Recursos Humanos Débora Souza Ferreira, 40 anos.
Não apenas a primogênita deixou de ser beneficiada, como também a caçula: a pequena Maria Flor, quatro anos, passa as tardes em casa em razão da dificuldade da família em pagar uma creche particular, com mensalidades em torno de R$ 500 na região.
— Se não formos nós, que outros vizinhos sejam beneficiados um dia por essa creche — insiste Débora.
A obra de R$ 1,4 milhão foi paralisada com 60% das etapas concluídas depois que a construtora desistiu por não ter aprovado um pedido de aditivo feito pela Secretaria Municipal de Educação (Smed). Desde então, o convênio entre prefeitura e MEC emperrou.
A Smed afirma que, desde o ano passado, aguarda manifestação do MEC para retomar o empreendimento. A intenção, explica o órgão, é “licitar as obras tão logo tenha a posição do governo Federal sobre o tema”, e diz que já prevê em orçamento as contrapartidas para a conclusão da escola. Procurado pela reportagem, o FNDE não se manifestou até o fechamento desta edição.
Fonte: GaúchaZH/ Imagem: Félix Zucco / Agência RBS